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Milhares protestam em Cuba, em meio a recorde de casos de Covid-19 e escassez de luz e comida

12 de julho de 2021

Adotando tom combativo, presidente Miguel Díaz-Canel culpa bloqueio dos EUA e convoca 'revolucionários' a irem às ruas em defesa do governo

Milhares protestam em Cuba, em meio a recorde de casos de Covid-19 e escassez de luz e comidaPessoas participam de protesto contra o governo de Cuba em Havana – Foto: Yamil Lage/AFP

Milhares de cubanos foram às ruas neste domingo (11) em um protesto contra o governo e a crise socioeconômica na ilha, em meio ao agravamento da pandemia da Covid-19 na ilha e à escassez de alimentos e remédios. A dimensão exata das manifestações não ficou clara, mas trata-se de algo raro no país, onde o regime de Partido Comunista único considera a oposição organizada ilegal.

Em um pronunciamento à nação pela TV, o presidente Miguel Díaz-Canel adotou um tom combativo. Culpando os EUA pelos protestos e pela situação socioeconômica da ilha, ele disse que haverá uma "resposta revolucionária" e convocou "todos os comunistas a irem às ruas" para enfrentar as "provocações" incisivamente e com "valentia":

“Terão que passar por cima de nossos cadáveres se querem enfrentar a revolução. Estamos dispostos a tudo”, disse o presidente, afirmando que a "ordem de combate está dada". “Não vamos permitir que nenhum contrarrevolucionário, mercenários vendidos ao império americano (...) desestabilizem o país”.

Transmitidas ao vivo pelo Facebook, as manifestações começaram pela manhã no povoado de San Antonio de los Baños, a sudoeste de Havana. Soldados foram enviados à região e o contingente policial foi reforçado. Aos gritos de "Pátria e vida" – nome de uma música lançada neste ano por rappers cubanos – mas também "abaixo a ditadura" e "não temos medo", os manifestantes majoritariamente jovens marcharam pela comunidade de 50 mil habitantes, a cerca de 33 km da capital, onde fica a Escola Internacional de Cinema de Cuba.

Díaz-Canel, que neste ano assumiu também o comando do PC, substituindo Raúl Castro, irmão de Fidel, esteve na região durante a tarde, acompanhado por militantes gritando "Viva Cuba" e "Viva Fidel". Durante a visita, no entanto, a população continuou a gritar palavras de ordem contra a crise econômica. Em seu discurso, o presidente disse que os manifestantes eram pessoas que passam necessidades e revolucionários confundidos por "manipuladores".

Manifestações similares ocorreram em outros pontos do país, como Palma Soriano, na província de Santiago de Cuba. O artista Luiz Manuel Otero, um crítico do governo, convocou um ato no Malecón, a principal avenida à beira-mar de Havana. Vídeos que circulam nas redes sociais mostram milhares de pessoas na região. Otero recentemente fez uma greve de fome.

Segundo a agência Reuters, a polícia usou spray de pimenta para dispersar alguns manifestantes e cassetetes contra outros. Não houve, contudo, confrontos diretos com os manifestantes. Seus gritos de "liberdade" e "Diaz-Canel, renuncie" abafaram os apoiadores do governo que gritavam "Fidel". De acordo com a agência AFP, ao menos 10 pessoas foram presas.

As autoridades também cortaram a internet móvel e linhas telefônicas nas regiões onde há protestos, segundo Reuters.

A situação econômica de Cuba se agravou com a pandemia, que interrompeu o turismo na ilha e levou a uma queda de 11% do PIB em 2020. A economia já vinha se deteriorando durante o governo Trump, que suspendeu a aproximação iniciada por Barack Obama e reforçou o embargo econômico à ilha com mais de 240 novas restrições, que não foram suspensas por Joe Biden.

“Se querem que a situação do povo melhore, suspendam primeiro o bloqueio”, disse Díaz-Canel, chamando-o de "injusto, criminoso e cruel".

Desde que a pandemia de Covid-19 começou, em março de 2020, os cubanos são obrigados a fazer fila para se abastecerem com alimentos, situação que se soma à escassez de remédios – fontes de um grande mal-estar social. Também há racionamento de energia em várias partes do país.

Os protestos deste domingo (11) coincidem com o terceiro dia consecutivo de recordes de casos de Covid-19 desde o início da pandemia: foram 6.923 infecções, com 47 mortes.

“São números alarmantes, que aumentam diariamente”, disse neste domingo o chefe da Epidemiologia do Ministério da Saúde, Francisco Durán, em sua habitual entrevista coletiva.

Ao todo, o país de 11,2 milhões de habitantes registra 238.491 diagnósticos, com 1.537 mortes.

A situação é especialmente grave na província turística de Matanzas, cerca de 100 km a leste de Havana, onde o aumento de casos ameaça levar o sistema de saúde ao colapso. Na semana passada, as autoridades cubanas enviaram para lá uma brigada de 500 médicos e enfermeiros, bem como recursos de saúde e alimentos, segundo a mídia local.

Com as hashtags #SOSCuba, #SOSMatanzas e #SalvemosCuba, multiplicam-se nas redes sociais os pedidos de socorro, mas também apelos para que o governo facilite o envio de doações oriundas do exterior. Os pedidos foram compartilhados nas redes sociais por artistas conhecidos na região, como o porto-riquenho Daddy Yankee e a americana de origem mexicana Becky G.

No sábado, um grupo de dissidentes, o Conselho para a Transição Democrática, denunciou que a ilha vive em uma "crise humanitária" devido ao aumento das infecções, pedindo que o governo estabelecesse um corredor humanitário de ajuda.

No texto, o grupo afirma que "a abertura às doações que muitos cubanos enviaram ou desejam enviar a seus compatriotas e a solicitação de ajuda humanitária a organismos internacionais ou a países dispostos a estender a mão são os passos que um governo deveria estar disposto a dar" na conjuntura atual.

O governo cubano, por sua vez, admite uma "complexa situação epidemiológica", mas rejeita o termo "crise humanitária". Se diz aberto a receber doações e denuncia "campanhas de descrédito".

"Enquanto o povo e o governo enfrentam a Covid-19 e destinam todos os recursos para lutar pela saúde, aqueles que bloqueiam Cuba tentam articular campanhas de descrédito", escreveu o chanceler cubano, Bruno Rodríguez, no Twitter.

Para "conter a disseminação" do coronavírus, o Ministério da Saúde de Cuba anunciou no sábado um pacote de medidas que entrará em vigor na próxima quinta-feira. Entre elas, o "isolamento obrigatório de 14 noites" em hotéis para todos os cubanos que chegam ao país pelos aeroportos de Varadero e de Cayo Coco e a "realização sistemática de testes" rápidos para trabalhadores de transporte e turismo, entre outros.

Cuba autorizou na sexta-feira (9) o uso emergencial de sua vacina anti-Covid Abdala, a primeira da América Latina, que segundo testes feitos na ilha tem 92,28% de eficácia contra o risco de contrair Covid-19 com sintomas.

Valedoitaúnas (O Globo)



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