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Há 30 anos, praça na Zona Norte do Rio virou um garimpo em busca de topázios e atraiu 400 pessoas

07 de agosto de 2021

Em 1992, descoberta de pedrinhas que seriam topázios destruiu uma praça no bairro e chegou a reunir 400 pessoas

Há 30 anos, praça na Zona Norte do Rio virou um garimpo em busca de topázios e atraiu 400 pessoasGarimpo improvisado em Benfica em 1992 – Foto: Marcos Issa/Agência O Globo

No último dia 31, a notícia de que havia dezenas de pessoas garimpando pregos de chumbo num terreno na Tijuca, Zona Norte do Rio, surpreendeu os cariocas e mobilizou autoridades – a escavação ilegal em busca do metal, vendido a quilo pelos garimpeiros urbanos, ocorria numa área de mata e foi interditada pela prefeitura. No entanto, a situação, ainda que inusitada, não é inédita. Há quase 30 anos, numa praça aos pés do Morro do Tuiuti, em Benfica, também na Zona Norte, a febre do garimpo tomou conta de centenas de pessoas.

Tudo começou, diz-se, em meados de janeiro de 1992, com um entregador de jornais, que morava na região com a mulher e três filhos. Andando pela pracinha, que fica na Rua Lopes Trovão, em frente ao Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes – o Pedregulho, conhecido também como Minhocão –, o homem topou com uma pedrinha brilhante. Acreditando que poderia ter algum valor comercial, levou o achado a um lapidador, que deu o veredito: é topázio, uma pedra preciosa.

Dependendo da qualidade da pedra, o valor do quilate (o equivalente a 200mg), poderia atingir R$ 570, em valores atuais. O descobridor da primeira pedra levou outras a uma geóloga, que confirmou, numa entrevista à TV, serem topázios. A informação de que havia pedras preciosas no subsolo da praça se espalhou.

Há 30 anos, praça na Zona Norte do Rio virou um garimpo em busca de topázios e atraiu 400 pessoasO secretário de Obras à época, Luis Paulo Corrêa da Rocha, pediu à Defesa Civil a interdição da praça onde mais de mil pessoas escavavam à procura de um falso sonho. A história foi desmentida nove dias depois. As pedras, na verdade, não passavam de citrino quartzo, com brilho similar e preço muito inferior: R$ 14,50 Foto: Jorge Rodrigues Jorge/Agência O Globo

Pás, paus e garfos

Na manhã de 16 de janeiro, havia 50 pessoas esburacando a praça, torcendo para que a sorte lhes sorrisse. Na tarde do mesmo dia, já eram cerca de 400, entre homens, mulheres e crianças, cavoucando cada palmo do terreno com picaretas, pás de jardineiro, paus e garfos. O sofisticado paisagismo da praça, obra de Roberto Burle Marx, foi reduzido a um cenário coberto de crateras que rendeu ao local, naquela época, o apelido provisório de “Serra Pelada”. Um outro nome durou mais tempo: Praça do Garimpo.

“Foi uma loucura”, recorda-se Marlene Santoro Falseth, de 80 anos, que mora até hoje em frente à praça. “Vinha gente de todas as idades com baldes, utensílios de pedreiros e tudo que pudesse ajudar no garimpo. Algumas pessoas que moravam no Pedregulho até se mudaram, com receio de invasão ou briga por causa das pedras. Eu só vi de longe. Não imaginei que tivesse algo valioso, mesmo”.

A confusão provocada pelos garimpeiros amadores chamou a atenção de representantes de órgãos públicos. Dias após a publicação da matéria, policiais do 4º BPM (São Cristóvão) baixaram no local para interromper a caçada às pedras. O maior problema não era o garimpo em si, mas a destruição do paisagismo de Burle Marx, tombado pelo Patrimônio Histórico desde 1986.

O deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha era secretário municipal de Obras em 1992. Ele conta que o valor da reconstrução da praça – orçado em Cr$ 4,2 bilhões, cerca de R$ 27,7 milhões atualmente – era bem superior a qualquer possível pedra semipreciosa que pudesse existir ali:

“Para mim, era mais um caso de interdição de uma praça por receio de degradação. Nós sabíamos que, geologicamente, era impossível ter alguma pedra em uma área plana de Benfica. Não é uma terra apropriada para o topázio”, disse Luiz Paulo Corrêa.

A dura realidade

A avaliação do deputado estava correta, e a esperança de fazer fortuna evaporou nove dias depois. As tais pedras brilhantes de fato existiam, mas se aproximavam do citrino quartzo, com brilho similar e preço muito inferior ao do topázio: R$ 14,50 o quilate. A dica dos especialistas em gemologia na época era usar o valor das pedras para tomar uma cerveja após o garimpo.

O morador do bairro e músico Ary Coimbra, de 50 anos, foi um dos garimpeiros. Naqueles dias de loucura, aos 19 anos, chegou à praça levando dois amigos e a esperança de sair do aluguel. Um deles, diz Coimbra, encontrou uma pedra do tamanho da metade de uma laranja, saiu gritando e sumiu do mapa logo após o fato. Nunca mais apareceu.

“Lembro de ele gritar “Eu estou rico!” e sair correndo. Fiquei muito triste na época. Ele nem pensou em compartilhar com o trio” afirma Ary, decepcionado. “Fui eu quem o chamei e engajei a ida dele até lá. O mínimo era ter dividido a riqueza. Até hoje, não tenho notícia se ele realmente ficou rico ou não”.

Reza a lenda que as pedras rolaram do Morro do Tuiuti durante uma chuva. Outros contam que foi um caminhão de entulhos que despejou refugos de lapidação na praça do Minhocão. Um laudo divulgado pelo Departamento de Recursos Minerais do governo (DRM) colocou a última hipótese como a correta.

Apesar de não ter ido até ao local na época, Diogenes de Almeida Campos, curador-chefe do Museu de Ciências da Terra, lembra do garimpo de Benfica. A confusão entre as pedras, segundo ele, pode ter acontecido porque o citrino quartzo e o topázio têm aparências similares:

“A confusão está em chamar determinados tipos de citrino com o nome de topázio. O topázio tem uma forma prismática e termina no formato plano. O quartzo também é prismático, mas na parte superior o formato é de uma pirâmide. O valor é muito menor. Serve para fazer vidro, por exemplo. O difícil é saber diferenciar isso quando a euforia e o pouco conhecimento eram maiores naquele momento”, disse Diogenes de Almeida.

O espaço foi revitalizado nove meses depois. A confusão, aos poucos, foi desaparecendo. Hoje, porém, o panorama não é muito melhor do que nos dias de garimpo. Há bancos quebrados e a grama rareou em vários pontos. A pracinha perdeu o seu brilho.

O administrador Carlos Monteiro, de 50 anos, esteve no local na época e lembra da situação como um grande mito de Benfica que, certamente, ficou marcado na história do bairro:

“Tinha gente ali que não sabia nem o que estava procurando. Eu mesmo soube por vizinhos e só fui conferir. No fim, foi a típica conversa de boca a boca, que sai de um jeito e chega de outro”, enfatizou Carlos Monteiro.

Valedoitaúnas (O Globo)



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