“Guru da meditação”, Tadashi Kadomoto se torna réu por estupro de vulnerável
12 de outubro de 2020Terapeuta diz, em nota, que não foi notificado sobre a denúncia. Os abusos, segundo a promotoria, teriam ocorrido no período de sete anos
Os estupros, segundo a promotoria, teriam ocorrido no período de sete anos, em um treinamento usado pelo Instituto Tadashi Kadomoto – Foto: Reprodução
O terapeuta transpessoal Tadashi Kadomoto, conhecido como um “guru da meditação na pandemia”, é acusado por uma ex-paciente e ex-estagiária por abusos sexuais durante um tratamento e treinamento oferecido pelo instituto que leva seu nome. A denúncia por estupro de vulnerável e lesão corporal, oferecida pelo Ministério Público de São Paulo, foi aceita pela Justiça no dia 6 de outubro e, portanto, ele se tornou réu. As informações foram obtidas com exclusividade pela GloboNews.
Em nota, a defesa de Kadomoto afirmou que "em toda a sua reconhecida trajetória profissional, jamais recebeu solicitação de esclarecimento sobre qualquer fato e nenhuma denúncia formal até o momento".
Os estupros, segundo a promotoria, teriam ocorrido no período de sete anos, em um treinamento usado pelo Instituto Tadashi Kadomoto, em Itatiaia (RJ), no Rio de Janeiro, na clínica de Tadashi em Campinas (SP) e em um hotel na cidade de São Paulo.
Nas redes sociais, as transmissões ao vivo feitas por Tadashi Kadomoto costumam atrair milhares de seguidores. Pela internet, ele oferece meditação e mensagens de auto-conhecimento. Há quase 30 anos oferecendo treinamento comportamental, o terapeuta também dá cursos presenciais, que usa hipnose, meditação, regressão e relaxamento. Cerca de 100 mil pessoas já passaram pelas vivências. "Ele é uma pessoa com um poder na fala de poder impressionante. E tudo gira em torno dele”, afirmou uma ex-estagiária do terapeuta.
Na última semana, a reportagem da GloboNews e do Fantástico foi procurada por algumas mulheres que foram atendidas por Tadashi Kadomoto e que também dizem ter sido vítimas de abusos sexuais. "Apesar de eu ter sofrido um estupro quando eu era criança, eu vejo a minha história com o Tadashi foi mais traumática”, disse uma das mulheres, que prestou depoimento ao Ministério Público.
"A primeira vez que eu percebi que a abordagem estava inadequada foi em 2007, quando eu terminei o meu curso de formação do Expansão de Consciência ele me convidou para estagiar nesse mesmo curso. Eu me senti a pessoa mais especial do mundo. Em um dos dias desse treinamento, a gente assiste alguns filmes que tem a ver com o contexto que está sendo estudado. Em um desses filmes, ele deitou no meu colo e começou a acariciar minha perna, a minha coxa. Eu achei aquilo muito estranho e eu congelei. E ele foi subindo a mão pela minha coxa. Quando ele chegou com a mão perto da minha virilha, eu tive um ímpeto e tirei a mão dele e sai de perto”, afirmou a mesma mulher. Ainda segundo ela, os abusos teriam continuado em 2010.
A aluna e também paciente de Tadashi Kadomoto procurou o Ministério Público de São Paulo no fim do ano passado para fazer uma denúncia formal contra ele. Ela não quis gravar entrevista, mas contou durante a investigação que foi "treinanda" do terapeuta, estagiária do Instituto e que, nesse período, também procurou ajuda na clínica dele, em Campinas, para tratar distúrbios alimentares. Segundo o relato dela, durante sete anos de treinamento e tratamento, foi vítima de vários abusos sexuais.
“Ao invés de ela melhorar, ela piora… Piora a anorexia, não encontra o conforto buscado. Pelo contrário, ela encontra uma angústia que se amplia. Ela não via nada, estava totalmente envolvida por ele e foi vítima de abusos sexuais. Isso tudo aconteceu sem a consciência dela e sem nenhuma capacidade de resistência”, afirmou o advogado de defesa da vítima, Luiz Flávio D’Urso.
Depois de ouvir testemunhas e reunir provas, a promotoria denunciou Tadashi Kadomoto. Ele responde na Justiça por cinco estupros de vulnerável cometidos contra a paciente. O terapeuta também é acusado por lesão corporal grave pelos danos psiquiátricos que foram causados à vítima. A decisão é do dia 6 de outubro. O terapeuta poderá se defender no processo, que entra em uma nova fase de investigação. Caberá à Justiça ouvir as partes e julgar se ele é culpado pela crimes.
A promotora de Justiça responsável pelo caso, Celeste Leite dos Santos, afirmou que o terapeuta se usou da vulnerabilidade em que a mulher se encontrava para cometer os abusos. “Foi de uma forma progressiva... Começou com um toque, depois troca de e-mails, até que ele consumou, quando ela não tinha a menor capacidade de assumir resistência, o ato sexual, não respeitando sequer o fato de que a vítima estava grávida".
"Ele tinha ciência que ela tinha distúrbios alimentares. E ao invés de ser fonte de tratamento, ele foi agravando todos esses problemas para poder atingir o seu objetivo, que era o mesmo desde o princípio, que era obter conjunção carnal com a vítima”, complementou a promotora.
A maior parte dos abusos teria ocorrido, segundo os relatos, durante o treinamento chamado “Expansão de Consciência”.
“Quando você entra no Expansão, ele realmente é de uma profundidade enorme. Você está sem muro, sem arma, ao que vier. Principalmente de uma pessoa como ele, que é super forte”, relatou uma mulher eu passou pelo curso. “Principalmente nesse curso, a gente fica muito aberto. A vulnerabilidade fica extrema. A pessoa (que faz o curso) precisa estar em terapia constante, porque ele realmente mexe muito com as nossas vulnerabilidades, nossos traumas, nossas feridas..."
“Eu nunca tinha comentado com ninguém. Acho que um pouco de vergonha, de ser ser julgada pelas pessoas… Esse medo do julgamento faz a paralisia acontecer”. A especialista em violência contra mulher considera que os abusos psicológicos são tão nocivos quanto os físicos. “É fácil perceber um olho roxo… Mas na mulher vitima de violência psicológica, ela deixa marcas mto profundas na alma”, explica a advogada Adriana Filizzola.
Mensagens e declarações de amor
Os abusos e as investidas para um contato mais íntimo não teriam ficado restritos aos cursos e aos atendimentos no consultório de Tadashi Kadomoto. As mulheres que conversaram com a reportagem da GloboNews e do Fantástico contam que recebiam mensagens e e-mails do terapeuta, com declarações de amor e de cunho sexual.
“Ele começou a me perguntar como estava sendo meu processo. Na época eu tinha acabado de me separar, foi uma separação bem traumática pra mim, e ele me mandou um e-mail, perguntando como estava sendo meu processo... Começou primeiro a me elogiar muito. Dizer que eu era linda, que eu era maravilhosa, que eu era SUCULENTA. Pediu fotos minhas para que ele ficasse me admirando. Dizia que me queria cada vez mais perto dele e inclusive chegando a afirmar que me amava".
Em uma mensagem enviada para outra aluna, ele escreve: "Confesso que gostaria de poder te agarrar… beijar… morder… para demonstrar o meu amor. Mas, por enquanto, contento em demonstrar meu amor assim..."
Nota enviada pela defesa
Tadashi Kadomoto se manifestou em nota sobre as acusações, enviada pelo seu advogado de defesa, Alexandre Wunderlich.
"Tadashi Kadomoto atua há mais de 30 anos na área de treinamento comportamental, já tendo apoiado cerca de 100 mil pessoas, por meio de palestras e treinamentos motivacionais. São numerosos e públicos os depoimentos que comprovam a sua atuação. Durante a pandemia, promoveu, de forma gratuita, lives para a ajudar milhares de pessoas a atravessar esse período tão desafiador para todos nós. Em toda a sua reconhecida trajetória profissional, jamais recebeu solicitação de esclarecimento sobre qualquer fato e também não recebeu nenhuma denúncia formal até o momento".
Valedoitaúnas/Informações iG