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Empresas são criadas em Portugal para aplicar golpes em brasileiros

31 de agosto de 2022

Advogado diz representar 35 clientes que teriam perdido, ao todo, R$ 1,3 milhão com promessa de lucro com suposto investimento no mercado financeiro

Empresas são criadas em Portugal para aplicar golpes em brasileirosMulher caminha próximo à sede do Banco de Portugal, no centro de Lisboa – Foto: Patrícia de Melo Moreira/AFP

Supostas empresas de investimento no mercado financeiro foram criadas em Portugal com objetivo de aplicar golpes em brasileiros. Apenas um advogado diz representar 35 clientes enganados e que teriam perdido, ao todo, R$ 1,3 milhão em fraudes recentes.

As empresas de fachada trocam de nome constantemente e empregam apenas brasileiros. Os golpes são concentrados em chamadas telefônicas feitas no horário comercial do Brasil. Assinam contrato para prestar serviços de marketing e promoção, com salário de €750.

Para seduzir a vítima a enviar dinheiro, um funcionário brasileiro de uma das empresas contou ao Portugal Giro que recebeu treinamento baseado em “O Lobo de Wall Street”. No filme, o corretor interpretado por Leonardo DiCaprio enriquece rápido, de maneira ilegal e ostenta estilo de vida extravagante.

“Eles passam um treinamento baseado no filme. Um método de vendas capaz de fazer a pessoa fechar negócio com uma só ligação”, contou o ex-funcionário, que deixou a empresa após descobrir a fraude.

Um segundo funcionário completou:

“Durante o treinamento, achei a empresa muito suspeita. Pediam para criarmos falsos nomes e estilos de vida. O ambiente de trabalho era uma loucura. Nos forçaram a ir de traje social completo porque diziam que isso trabalhava a mente. Fiz um investimento caríssimo em um terno, camisas e sapatos. Nos finais de semana, nos davam bebidas para que a gente se soltasse e vendesse mais, porque trazia confiança para o personagem que foi criado”,disse.

Uma terceira funcionária adicionou:

“Todos são obrigados a ficar em pé durante um tempo considerável, geralmente uma hora. Segundo eles, era para dar energia durante a chamada”, relatou.

O aporte inicial mínimo seria de US$ 200 (cerca de mil reais) e funciona para ativar uma conta para a vítima na corretora fraudulenta. Brasileiros que são bons vendedores são contratados para convencer os compatriotas e ganhavam US$ 50 de comissão sobre os depósitos de aporte.

Em uma chamada à qual o Portugal Giro teve acesso, a funcionária consegue convencer um brasileiro a depositar US$ 300. Do outro lado da linha, a vítima diz que seu objetivo é ter uma renda extra.

“Todos os meses você vai receber retorno em dividendo. A previsão de lucro é de 19%. É o que tenho de mais conservador. O Sr. sabe o que é dividendo? Sou consultora e estamos há mais de dez anos no mercado (...)”, diz a funcionária.

Quando é surpreendida pelo fato de a vítima afirmar que já havia caído em um golpe, ela oferece um pacote para pessoas que perderam dinheiro em transações duvidosas. Com a vítima ainda na linha, pegou dados pessoais, fez uma conta online na empresa e orientou o depósito via Pix de US$ 300 (R$ 1.692 no câmbio do dia). Tudo em cerca de 15 minutos:

“Vou te encaminhar por WhatsApp a chave do Pix. Só precisa efetuar o aporte para ser encaminhado ao analista. Já faz o Pix, envia o comprovante e o Sr. pode começar seu plano de recuperação”, disse

“Tá bom”, disse a vítima.

Em outra chamada, a mesma funcionária repete os argumentos, mas acrescenta supostos bônus para convencer a vítima, que concorda em depositar US$ 200 via Pix.

“Pronto, recebi (o depósito) aqui. (...) O seu analista será seu anjo da guarda, a pessoa que te fará ganhar dinheiro”, diz ela.

A margem de lucro deve ter sido inventada na hora e pode chegar até 35%. A promessa, em geral, é de ganho imediato ao investir em ações de gigantes tecnológicas e da farmacêutica.

A empresa paga por anúncios nas redes sociais para fisgar possíveis vítimas, com a promessa de ganhar dinheiro fácil e rápido após preencher cadastro. Assim, organiza a sua base de dados para as chamadas.

“A ligação precisa ser feliz, chamando pelo nome do cliente com tom de voz animado. O segundo passo é sondar se o cliente entende de investimentos. Eles diziam que poderíamos mentir o quanto fosse necessário para fazer a pessoa depositar o dinheiro. Fazemos ela depositar em linha, para que tudo seja feito na mesma chamada”, contou o funcionário.

Este mesmo funcionário revelou que recebia uma lista com cerca de 200 contatos por dia e era obrigado a tentar falar com todos. Uma funcionária chegou a fazer até 27 depósitos iniciais em um mês bom, diz ele.

Depois de aberta a conta e feito o depósito inicial, o cliente passava a ser atendido por um suposto especialista. Ele tentava tirar mais dinheiro da vítima, simulando ganhos. Muitos incitaram as vítimas a pedir empréstimos, diz o funcionário. Quando o cliente resolvia sacar, era informado que perdeu tudo numa jogada de investimento.

“O especialista entra na cabeça do cliente, liga mais vezes e a vítima já está com o dinheiro na conta da empresa, acaba atendendo e é convencido a pegar empréstimos para continuar a “investir”. Ele faz os depósitos aumentarem até a vítima não aguentar mais, querendo sacar. É nessa hora que é informada que perdeu tudo. Teve cliente perdendo US$ 15 mil (R$ 75 mil)”, revelou o funcionário.

Uma pessoa que diz ter sido vítima escreveu que foi informada que chegou a triplicar o capital inicial. Quando se movimentou para o resgate da conta, disseram que havia perdido todo o dinheiro. Após a má notícia, os funcionários e analistas interromperam contato.

O advogado Wellington Trindade, do escritório Trindade Coelho, em São Paulo, diz que seus 35 clientes perderam R$ 1,3 milhão no geral apenas com os golpes mais recentes de uma das empresas.

“Montaram todo um sistema e a pessoa injetava dinheiro semanal e mensalmente. Tinha todo um setor especializado em fraude, uma engenharia social criada para o cliente cair no golpe”, disse Trindade.

As vítimas enviam o dinheiro para uma empresa que recebe os pagamentos de maneira anônima, segundo o advogado. Isso dificulta o rastreio dos criminosos.

“Fizemos uma ação preparatória para que esta empresa de pagamentos informe quem é o cliente dela e para onde está sendo enviado o dinheiro. Não sabemos se é só uma empresa, se há outras por trás ou se são pessoas físicas. Queremos descobrir o caminho do dinheiro. Com a descoberta, podemos entrar com ação contra estas pessoas”, declarou Trindade.

Valedoitaúnas (O GLOBO)



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