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Bicarbonato de sódio pode te salvar de agrotóxicos? Especialistas analisam estudo dos EUA

31 de dezembro de 2019

Bicarbonato de sódio pode te salvar de agrotóxicos? Especialistas analisam estudo dos EUA

A quantidade de agrotóxicos servidos na sua mesa não para de aumentar. Apenas em cinco meses, o governo federal aprovou o registro de 169 pesticidas. O último pacotão chancelado pela gestão de Jair Bolsonaro continha 31 produtos.

Trata-se de uma tendência de alta já identificada por entidades de defesa do meio ambiente. Em 2015, 139 agrotóxicos aprovados, já em 2018, 450. O Ministério da Agricultura se defende dizendo que a quantidade de registros é medida pelos ganhos de eficiência de “medidas desburocratizantes”.

O cenário ameaçador pede saídas eficazes de proteção à saúde. Recentemente, a Universidade de Massachusetts publicou estudo em que coloca o bicarbonato de sódio, acompanhado de água, como forma mais eficaz de eliminar os resíduos tóxicos de alimento.

Os testes incluem alimentos com os maiores níveis de contaminação, caso da maçã. A fruta permaneceu em banho-maria em água e bicarbonato de sódio por 15 minutos e na sequência apresentou redução de 96% na quantidade de agrotóxicos.

Especialistas ouvidos pelo Hypeness preferem cautela na análise dos resultados expostos pela instituição de ensino norte-americana. Caso de Aline Rissatto, a docente do curso de bacharelado em nutrição da Universidade São Judas Tadeu chama a atenção para a especificidade das pesquisas.

“O estudo analisa a eficiência do bicarbonato apenas com maçãs, cuja superfície se diferencia daquelas de outros tipos de alimentos, como pêssego (alimento cujo emprego de fosmete no cultivo também é autorizado por órgãos brasileiros de fiscalização), que possuem casas de superfície mais delicadas, de modo que não é possível afirmar que a eficiência da aplicação do bicarbonato de sódio para a remoção de resíduos de agrotóxicos é válida para qualquer tipo de hortifrúti”.

Segundo a profissional certificada pela escola de gastronomia Le Cordon Bleu, de Paris, “mesmo diante de resultados positivos para a remoção do agrotóxico das cascas da maçã, o bicarbonato não conseguiu remover a parcela de agrotóxicos da polpa da fruta, correspondente a 4% a 20% do volume de agrotóxicos presente no alimento”.

O doutor em química orgânica Carlos Cerqueira compartilha do ponto de vista. Para o especialista em Sustentabilidade e Meio Ambiente, que também cita a polpa da fruta, “são necessários mais estudos em outros tipos de alimentos (pois a interação do bicarbonato com a casca é importante para a efetiva remoção do pesticida) e diferentes pesticidas para atestar que o método funciona para qualquer tipo de alimento”.

Os membros do grupo de Ciência Alimentar da Universidade de Massachusetts utilizaram três técnicas, entre elas a de Dispersão Raman Amplificada por Superfície, ou SERS, em inglês.

O método permite a ampliação de uma superfície que possibilita a detecção de moléculas isoladas. Dois agrotóxicos passaram pelo teste, um fungicida com o tiabendazol como princípio ativo e outra pesticida feita à base de phosmet.

O próprio estudo publicado no Jornal da Química da Agricultura e Comida reconhece que os agrotóxicos conseguiram atingir a polpa da maçã. Mas não desanime, pois de acordo com Carlos Cerqueira, todo o avanço deve ser celebrado.

Os próprios autores também indicaram que o método se limita à remoção do pesticida da casca do alimento, não sendo eficiente para a remoção de pesticidas que penetram no fruto. Entretanto, a ciência é construída desse modo, com pequenas descobertas feitas gradualmente. Mesmo assim, o estudo tem um grande mérito, ao mostrar que uma alternativa caseira, como a simples imersão de fruta em uma solução de bicarbonato de sódio por alguns minutos ajuda a limpar os alimentos, removendo substâncias muito prejudiciais à saúde, complementa o docente da Escola Superior de Engenharia e Gestão (ESEG).

Embora o Brasil use 500 mil toneladas por ano de agrotóxicos segundo dados do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), o doutor em química orgânica destaca a potência da ciência brasileira e os estudos nacionais que buscam atenuar os efeitos das pesticidas no cotidiano dos brasileiros. Ele lembra do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, instalado no Laboratório de Espectroscopia Molecular (LEM) e que estuda fenômenos como o SERS, utilizado no estudo norte-americano para medir o nível de veneno.

“Desde a sua fundação, em meados dos anos 1940 pelo Professor Hans Stammreich, o LEM é referência não só no Brasil como no mundo inteiro sobre esse assunto. É importante ressaltarmos esse pioneirismo numa época de tantas críticas e desinformações sobre a ciência brasileira, que é de ótima qualidade. Dentre os inúmeros trabalhos publicados pelo LEM, cito um trabalho sobre uso do SERS para identificação do glifosato, um herbicida largamente utilizado no Brasil em culturas de soja, algodão e milho (Phys. Chem. Chem. Phys., 2012, 14, 15645–15651), que possui dentre seus autores, o Professor Rômulo Ando, atualmente professor e pesquisador do Instituto de Química e “bisneto” científico do pioneiro do Raman no Brasil, prof. Stammreich, o que demonstra que a ciência é construída em uma longa e ininterrupta jornada”.

Aline Rissatto ressalta tese de mestrado da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro publicada na revista de Alimentação e Nutrição de Araraquara atestando a redução de pesticidas organofosforados depois da lavagem e sanitização de uma espécie de maçãs.

No estudo, foram contaminadas amostras de maçãs em solução de 5ppm do agrotóxico e posteriormente foram submersas por 15 e 60 minutos em diferentes soluções sanitizantes: água potável, solução de detergente, solução de bicarbonato de sódio, solução de vinagre e solução de água sanitária a 200ppm de cloro ativo. Foi verificado que a solução de vinagre teve o melhor resultado, seguido pelo detergente, água potável, bicarbonato de sódio e água sanitária. Mesmo tendo ocorrido a redução de resíduos do pesticida estudado, os resultados não foram suficientes para assegurar que o alimento se tornasse isento de resíduos de agrotóxicos ou mesmo permanecesse abaixo da ingestão diária aceitável.

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos no mundo e 2019, como apontamos no início da matéria, aparece como ano recorde na liberação das pesticidas. Nunca foi tão rápido registrar um produto deste tipo no país. A tendência reforça o lobby da bancada ruralista em Brasília, que possui inclusive representação no Ministério da Agricultura, comandado pela ex-deputada federal Tereza Cristina.

O Ministério da Saúde divulgou balanço que mostra que entre 2007 e 2015, foram registrados mais de 84 mil casos de intoxicação por agrotóxicos. Carlos Cerqueira critica o crescimento da velocidade de aprovação.

“O Brasil, como grande produtor agrícola, sempre utilizou uma quantidade bastante preocupante de agrotóxicos para garantir a produtividade das suas lavouras. Se não bastasse, nos últimos anos o número de agrotóxicos licenciados pelo Ministério da Agricultura têm aumentado cada vez mais, deixando médicos, agrônomos e ambientalistas preocupados com os potenciais malefícios à saúde e aos ecossistemas causados por essas substâncias”, conclui o especialista em sustentabilidade e meio ambiente.

Para piorar, os agrotóxicos estão relacionados com a incidência de câncer, sobretudo pelo uso do glifosato. O princípio ativo desenvolvido pela indústria farmacêutica ganhou fama na década de 1970, por meio da Monsanto. A empresa, hoje associada à Bayer, lançou o glifosato na linha de sementes transgênicas Roundup. O agrotóxico é o mais famoso e mais vendido do mundo. Apenas no Brasil, 110 produtos comercializados por 29 empresas.

“Não se pode perder de vista os efeitos crônicos que podem ocorrer meses, anos ou até décadas após a exposição a tais compostos químicos e podem se manifestar em várias doenças como câncer, malformações congênitas, distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais. A situação mais crítica é no campo, onde está o indivíduo potencialmente mais exposto aos produtos. Indústria e governo afirmam, mesmo diante da insuficiência de estudos realizados com humanos que apontem a seguridade quanto ao consumo de agrotóxicos e suas combinações, que pesticidas herbicidas e fungicidas são seguros se aplicados corretamente, mas admitem que há excessos, mau uso e barreiras na fiscalização. Diante deste contexto, deve-se ressaltar que quando há dúvida ou insuficiência de estudos que estabeleçam plenamente as provas científicas da relação entre causa e efeito, deve-se levar em conta o princípio da precaução, que orienta a ação quando uma atividade, situação ou produto representa ameaças de danos à saúde humana ou ao meio ambiente”,alerta Aline Rissatto, doutoranda pelo programa de Pós-Graduação de Nutrição em Saúde Pública (FSP-USP).

As pesticidas estão presentes em frutas, verduras, carnes, leite e bebidas. No Paraná, segundo matéria publicada no G1, cada indivíduo consome anualmente 8,7 litros de agrotóxicos. A informação integra estudo da campanha Viva Sem Veneno, que conta com apoio de entidades como o Ministério Público do Trabalho do Paraná. Em média, o brasileiro ingere 7,3 litros de veneno.

(*Hypeness)

Foto: Divulgação



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